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Combate à desertificação na caatinga depende de pesquisa científica e ação de pequenos produtores
Enquanto a ciência trabalha na recuperação de áreas degradadas, agricultores familiares replantam espécies nativas para minimizar o impacto da seca
Quando falamos de “desertificação”, é porque os danos causados no solo, pela falta de chuvas e pela ação humana, já são quase irreversíveis. Combater esse processo não é fácil.
Mas algumas iniciativas no Nordeste do Brasil tentam reverter os impactos da desertificação. Enquanto pesquisadores recorrem à ciência para criar modelos de preservação e recuperação da vegetação nativa, pequenos agricultores buscam “conviver bem com o semiárido” e “manter a caatinga em pé”.
Atualmente, pelo menos 12,85% do semiárido brasileiro enfrenta o processo de desertificação, segundo o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (Lapis). Mas as áreas sob risco são ainda maiores: o equivalente a 16% de todo o território nacional.
Nesta edição do Desafio Natureza, o G1 foi até o sertão nordestino para ver áreas degradadas da caatinga e projetos que tentam restaurá-las. Também fomos ao Parque Nacional da Serra da Capivara e observamos um modelo de preservação que produziu desenvolvimento regional.
Recuperação com pesquisa
Como restaurar áreas degradadas pela desertificação? Pesquisadores do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (Nema) estão trabalhando desde 2014 nas margens dos canais criados pela transposição do Rio São Francisco.
A obra da transposição, conduzida pelo governo federal, abriu dois eixos de canais de concreto com mais de 700 km no meio do sertão. O objetivo era levar água para zonas mais secas. Não há como uma operação desse tamanho passar sem impactos ao meio ambiente. Mas, pelo menos, o projeto da transposição previu minimizá-los.
Uma das propostas do Nema, ligado à Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), é justamente recuperar áreas desmatadas na transposição, recompondo a vegetação típica da caatinga. Segundo o coordenador do projeto, o professor Renato Garcia Rodrigues, o modelo criado por eles pode funcionar também na recuperação de áreas desertificadas.
Cinco pontos que resumem a ação dos pesquisadores:
- Estudaram quais espécies de plantas se desenvolveriam com mais facilidade na área degradada, para recompor o solo e a cobertura vegetal. Elas permitem a vinda de outras plantas. Uma das principais é a Senna uniflora;
- Trouxeram sementes e mudas dessas plantas de outros lugares da caatinga, remexeram a terra para trazer para cima um solo mais fértil, e plantaram nessa área a ser recuperada;
- Criaram “núcleos” de proteção, cercando a área com madeira de algaroba, uma planta já comum no sertão, mas que é invasora e veio do Peru. A ideia é impedir que animais criados soltos, como o bode, comam as mudas;
- Aproveitaram a água da chuva que se acumulou no terreno, após a obra da transposição, plantaram mudas ao redor desses “lagos artificiais” e estudaram seu desenvolvimento;
- Criaram um aplicativo para catalogar e monitorar as áreas, verificando o que deu certo e aperfeiçoando o que deu errado.
“O nosso Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, o Prad, é o maior esforço de recuperação da caatinga no país”, afirma Rodrigues. “Em nosso primeiro monitoramento, em maio de 2017, a maior parte das áreas onde interviemos tinha cobertura do solo inferior a 10%. Após dois anos, a maioria tinha cobertura superior a 50%. Além disso, mais de 80% das mudas sobreviveram.”
Dois grandes desafios
Na região de Cabrobó (PE), o ecólogo Fábio Socolowski, responsável pelo Prad, comentou que os principais desafios para esse trabalho são, primeiro, o próprio clima do semiárido, pois as chuvas são concentradas em poucos dias do ano.
“Por isso a ideia de aproveitar a água da chuva nos lagos artificiais, para mantê-la presa no sistema por mais tempo e fazer com que as mudas aproveitem a umidade, seja absorvendo água do solo, seja em um ‘microclima’ nos núcleos que criamos”, explica.
O segundo grande desafio é evitar que os caprinos e ovinos, criados soltos pelos pequenos produtores rurais, entrem nos núcleos e destruam o trabalho dos pesquisadores. “Não podemos demonizar o bode, porque ele é importante para o povo sertanejo. Mas aqui temos uma pecuária extensiva, os animais transitam soltos, sem uma propriedade definida, e o bode está pastejando em todo lugar.”
Daí veio a ideia de cercar os núcleos recuperação.
“A gente espera que, com o tempo, essas plantas entrem num estágio de maturidade fisiológica e comecem a se reproduzir, e lancem seus propágulos de dentro do núcleo pra fora dele, e comecem a colonizar a área externa também”, diz Socolowski.
Sertanejo quer ver ‘a caatinga em pé’
Entre as principais causas da desertificação no semiárido está a atividade agropecuária. Mas grupos de pequenos produtores estão começando a perceber que a sobrevivência depende da conservação da caatinga. Entre eles estão as associações de “fundo de pasto”, uma forma de produção típica da região, na qual os territórios e os recursos da natureza são compartilhados por várias famílias.
“Chovendo, a gente tem tudo. O que plantar dá. Sem chuva, a gente não consegue, não”, conta Gilberto Nascimento Guimarães, presidente de uma associação de pequenos produtores em Canudos (BA). “A gente tá nessa luta para manter a caatinga em pé. Ela é nosso sustento, da comunidade do sertão, e para os animais, caprinos, ovinos.”
Também Alcides Peixinho, de Uauá (BA), faz parte do projeto chamado “Recaatingamento”, promovido pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), que ensina técnicas para evitar a degradação. Uma delas é a conservação de uma parte do território com vegetação nativa.
“Há uns 30 anos, tinha mais caatinga, mais alimento e chovia mais. De uns 30, 20 anos pra cá, a chuva ficou mais escassa e a caatinga começou a sentir”, conta Peixinho.
“A ideia de trazer o Recaatingamento é por conta disso. Não deixamos os animais entrarem na área conservada. Assim, as plantas vão resistir, vêm as novas plantas. E, para reforçar, a gente está plantando espécies da caatinga”, diz.
Na verdade, são várias as técnicas utilizadas pelos produtores.