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Com mercado bilionário, criadores de SP apostam na produção de leite orgânico
Esses alimentos movimentam R$ 3,5 bilhões por ano. Mas segmento requer cuidados que vão da homeopatia no tratamento de doenças ao manejo do solo.
O mercado de alimentos orgânicos movimenta cerca de R$ 3,5 bilhões por ano. Animados com o crescimento da procura por este tipo de produto, pecuaristas de São Paulo resolveram investir na produção de leite.
O negócio é incentivado por um grande laticínio e conta com orientação técnica da Embrapa. Entre 2010 e 2017, o faturamento do setor cresceu 600% no país. E as empresas perceberam o potencial de mercado dos alimentos livres de produtos químicos e começaram a buscar fornecedores.
O pecuarista Claudinei Saldanha Júnior, de Itirapina, no interior de SP, começou trocou o sistema de produção leite convencional pelo orgânico em 2013. Atualmente, tem 41 vacas em lactação e 700 litros de leite por dia, uma média de 17 litros por animal, produtividade boa para a atividade.
Mas ele lembra que o começo não foi fácil. “Foi todo um aprendizado, trabalhar com homeopatia, controle de carrapato, mastite, dominar os pastos de maneira orgânica, fazer uma silagem de maneira orgânica”, recorda.
Para aprender a lidar com esses desafios, Saldanha Júnior passou a fazer parte do projeto Balde Cheio, da Embrapa, que mudou a cara de milhares de produções leiteiras em quase 20 anos de existência, ensinando boas práticas de manejo, com aumento de produtividade.
“Nós trabalhamos com produtores que já atingiram 25 mil litros leite por hectare ano. Se comparar com as produtividades de países desenvolvidos, é de 15 a 20 mil litros de leite por hectare”, explica o agrônomo Artur Chinelato.
Como é produzir leite orgânico
O primeiro passo para uma fazenda de leite convencional virar orgânica é mudar o manejo do solo. O capim não pode mais receber herbicidas e adubos químicos.
“A gente trabalhava muito com adubação química e, hoje, essa adubação é outra, é com composto orgânico”, lembra o pecuarista.
Outra coisa que não pode faltar é o cuidado com o pasto. A indicação é utilizar o rodízio de pastagens para preservar o capim. Quem tiver água abundante, deve investir também na irrigação. O custo é alto.
“Não foi barato, mas ele dá o retorno. Ficou na faixa de R$ 12 mil por hectare. Eu potencializo a minha produção, consigo produzir o ano todo: inverno, verão…”, afirma Toni Ângelo.
O gado também tem que estar bem alimentado, e isso pesa no bolso, ficando em torno de 35% mais caro.
Do total de alimentos, pelo menos 85% são obrigatoriamente orgânicos, os outros 15%, podem ser convencionais, desde que não tenham transgênicos.
Essa cota, em geral, é usada para o concentrado de grãos. O uso de suplemento mineral é permitido, mas os produtos precisam ser específicos.
Cuidados com os vizinhos
Uma dificuldade apontada pelo agrônomo da Embrapa André Novo, outro responsável pelo Balde Cheio, é tomar cuidado com as fazendas vizinhas que produzem de maneira convencional.
Isso porque os agrotóxicos usados na região podem chegar pela água de rios – usada na irrigação e para matar a sede dos animais -, pela chuva que escorre no terreno e pelo vento, que pode trazer resíduos de pulverizações.
Na fazenda de Ângelo, a água não chega contaminada, mas ele criou obstáculos físicos. De um lado, a mata nativa e de outro uma fileira de capim-açu, que ajuda como barreira para os pesticidas aplicados.
Homeopatia na vaca
Feitos os cuidados anteriores, começa uma nova fase de produção. As doenças precisam ser tratadas de um jeito diferente.
No manejo convencional, os remédios são os chamados alopáticos. No orgânico, Artur Chinelato, da Embrapa, afirma que cuidado é totalmente diferente.
“Nós temos que usar menos medicamentos. Quanto menos o animal ficar doente, melhor. Se o animal estiver bem alimentado, bem nutrido, com conforto, bem estar, com a saúde em dia, recebendo as vacinas, ele pouco vai ficar doente”, diz o agrônomo.
As vacinas regulares são obrigatórias, mas os anti-inflamatórios, hormônios e vitaminas não podem ser utilizados. Tudo isso deve ser feito por meio da homeopatia.
Caso a necessidade exija um produto alopático, ou seja, convencional, existem regras.
O produtor pode até fazer dois tratamentos convencionais por animal anualmente. Mas, se o medicamento exigir uma carência de 5 dias para a retirada do leite, ele deverá dobrar esse período.
Controle de pragas
Os produtores que decidem apostar na produção de leite orgânico precisam mudar também o controle de pragas. A criadora Beatriz Malta Campo, de São Carlos, afirma que precisou aprender todos os passos para prevenir e remediar esse problema.
Um dos pontos de prevenção é o uso de um farelo homeopático que ela dá para os animais. O produto é consumido junto com a ração e aumenta a resistência das vacas.
O maior desafio enfrentado pela família dela até agora foi o ataque de carrapatos. O inseto fez a média de produção das vacas cair de 18 litros por dia, antes do orgânico, para 14 litros.
“Como a gente não pode mais usar o produto químico que matava o carrapato, a gente aumentou assim drasticamente a população de carrapato e, no começo, a gente não tinha nada e não sabia como fazer”, diz Beatriz.
Ela optou por um controle biológico, a base de fungos que secam o carrapato, que ainda está em teste no mercado. Com isso, a produtividade estabilizou em 16 litros por animal.
Quem paga a conta?
Com a transição finalizada, é hora de fazer as contas. O economista Mário Malta Campo Dota e Silva, filho de Beatriz, conta que o preço pago pelo litro do leite é melhor, mas os custos aumentaram, especialmente nos gastos com alimentação e mão de obra.
“A gente conseguiu aumentar, mais ou menos, uns 70% o lucro por hectare que a gente tem na propriedade, mas você precisa sempre manter tudo na ponta do lápis para não perder dinheiro”, afirma.
No caso do pecuarista Toni Ângelo, quem paga a conta é uma gigante da indústria de laticínios, que precisava de fornecedores para entrar no mercado de orgânicos. Eles pagaram assistência técnica e pagam um valor mais atraente pelo alimento.
Pelo acordo entre empresa e produtores, o leite orgânico vale 50% mais do que a tabela do leite normal. A diferença é que esse preço extra já começa a ser pago no início do projeto, antes mesmo do produto ser considerado orgânico.
A transição pode durar até 3 anos. Enquanto isso, o leite vai para o mercado como convencional, nada muda.
Segundo o gerente de compras da indústria, o preço extra nessa etapa serve para cobrir os investimentos no campo. Desde 2016, quase 40 produtores paulistas entraram nessa conversão subsidiada.
“Em muito dos casos, se não houver o estimulo na cadeia de produção, o produtor acaba desistindo porque existem as dificuldades”, explica Edney Murillo Secco, gerente de compras da Nestlé.
A lição da Embrapa é que produção orgânica sem eficiência não fecha as contas. Além da vontade, a ciência é fundamental.
“Na verdade, a gente tinha um preconceito muito grande. Porque a ideia do orgânico era aquela coisa romântica, das vacas pastejando sem nenhum controle. Com a experiência, a gente percebeu que introdução de tecnologia de conhecimento e gestão convivem muito bem com a questão ambiental para produzir um produto de valor agregado muito melhor”, diz o agrônomo André Novo.
Fonte / Link:
G1 Globo Rural / https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2019/08/11/com-mercado-bilionario-criadores-de-sp-apostam-na-producao-de-leite-organico.ghtml